Duzentas letras de Bob Dylan são apresentadas, em edição bilíngue, no livro Letras (1961-1974), o primeiro volume das letras do vencedor do prêmio Nobel de literatura de 2016
A Real Academia Sueca atribuiu o Nobel da literatura 2016 ao músico e escritor Bob Dylan, por ele ter criado "novas formas de expressão poética" no quadro da "grande tradição da música americana". O anúncio surpreendeu muita gente, por ser uma distinção sem precedentes na história da mais alta glória literária e que premia as letras do histórico cantor americano de 76 anos.
Bob Dylan tornou-se figura célebre da música popular americana e da cultura mundial com canções como Blowin' in the Wind, The Times They are A-Chagin', A Hard Rain's A-Gonna Fall, All Along the Watchtower, Mr. Tambourine Man e Like a Rolling Stone, compostas nos anos 1960, com conexões com os movimentos de protesto contra a Guerra do Vietnã, bem como os grupos de defesa dos direitos civis da comunidade negra dos Estados Unidos.
As letras foram escritas quando Dylan tinha pouco mais de 20 anos. O valor literário delas, algo que o Nobel percebeu muito além dos limites tradicionais, pode ser comprovado no livro Letras (1961-1974), que a Companhia das Letras edita no Brasil com tradução de Caetano W. Galindo, 640 páginas e preços de R$ 89,90 (papel) e R$ 44,90 (ebook). É o primeiro de dois volumes.
"A concessão do prêmio de Nobel de literatura a Bob Dylan certamente contribuirá bastante para as velhas discussões quanto ao estatuto literário da canção. Ou, no que mais nos interessa aqui, quanto ao estatuto literário da letra da canção, separada de melodia, harmonia, ritmo, produção, performance", afirma Caetano Galindo na apresentação da sua tradução.
E prossegue: "Porque, traduzindo as letras, essa primeira grande distinção já vira o maior problema. O que temos aqui afinal é apenas parte do produto estético que deu fama, reconhecimento e prestígio a Bob Dylan. E em que medida essas letras, inclusive no original, sobreviveriam com o mesmo poder que tinham quando embaladas em música? É parte do que a tradução tem que responder".
Oralidade sofisticada
Galindo que, ao lado de Christian Schwartz, também traduziu as letras de Lou Reed (1942-2013) para o livro Atravessar o Fogo (Companhia das Letras/2010), explica que traduzir os poemas/letras de Dylan segundo os critérios normais da tradução de poesia (com atenção a metro e rima, por exemplo), geraria vários problemas.
"O primeiro deles advém do fato de que a métrica e até as rimas das canções são estabelecidas em função de como elas foram cantadas. Os critérios não são os mesmos ‘de papel’, já que aqui o autor pode mostrar ao público como os textos devem ser escandidos, como devem soar. Está ao alcance de Dylan todo um mundo que notações rítmicas mais radicais de um poeta como Gerard Manley Hopkins apenas vislumbravam", escreve.
Outro detalhe importante observado pelo tradutor é a oscilação de tom, do registro retórico das canções de Dylan reunidas no livro. O que Galindo chama de "oralidade sofisticada".
"Dylan, ao longo das duas décadas aqui retratadas, não escreve apenas canções com vozes diferentes, com textos que vão do folk à retórica neopentencostal; ele mistura esses registros no mesmo texto, nos mesmos versos. Do inglês de rua à elevação bíblica, dos poetas Beat a Dante Alighieri, da prosa ao verso mais evocativo, das cadências mais constantes ao discurso espraiado. Tudo, no entanto, imerso no que eu chamaria de uma oralidade sofisticada, que faz com que, mais que cantadas, suas letras pareçam sempre faladas, mesmo em livro".
Dylan publicou também livros de poesia, letras de músicas e um de ficção, Tarântula (1971), além de suas memórias em Crônicas Vol. 1 (2004).
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