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Crítica "Fúria de Titãs"

"Festival de incertezas e liberdades poéticas (!) marcam o primeiro fiasco do ano no reino dos blockbusters. Fúria de Titãs já seria um filme com problemas, mas a conversão para o 3D deu o golpe de misericórdia. "

Hollywood entende muito bem sua relação com algumas temáticas como o judaísmo, a guerra e o romance. Construiu impérios explorando essa fórmula, mas sempre deixou claro seus pontos vulneráveis: Ficção Científica e Mitologia. A FC tem sua dinâmica e, felizmente, consegue se manter graças a gigantescas bilheterias e tem vida fora do sistema dos estúdios. Lunar é o último grande exemplo. Já a Mitologia não tem tanta sorte. Recentemente, os estúdios tentaram extirpar a magia de suas narrativas para apresentar personagens mais “reais”, ou então buscaram paralelos adolescentes com Harry Potter – a prova máxima de que magia e cinema funcionam. Vale tudo, afinal, não passam de mitos e, como Mitologia é a religião dos outros [e antigos, nesse caso], a liberdade é total. Arma poderosa nas mãos de quem entende e tem certeza de sua narrativa, a liberdade se transforma em tragédia quando mal utilizada. É o caso de Fúria de Titãs (Clash of the Titans, 2010, Warner Bros.), dirigido pelo fraco Louis Leterrier (O Incrível Hulk), que, mesmo repleto de Mitologia, se mostra inseguro e confuso até na hora de contar a história de amor desse mito.

Nada funciona. Começando pelo mais óbvio: a conversão para o 3D, feita na última hora [em 8 semanas]. Sem apelo dramático e empregado pela simples tentativa de fazer fortuna com a onda do formato, o 3D assombra de maneira literal por causa do ghosting [os personagens e elementos convertidos se destacam em primeiro plano, mas também continuam no segundo plano, ou seja, o que se vê são pessoas com mais profundidade e com fantasmas/sombras de si mesmas as seguindo]. Incomoda e tira a atenção; tudo que não se espera de uma ferramenta que, teoricamente, deveria ajudar.

O mesmo vale para a liberdade poética do roteiro – que teve 4 versões, envolvendo 12 roteiristas diferentes e cuja versão final foi assinada por três pessoas diferentes – na adaptação da história de Perseu e Andrômeda [Alexa Davalos, de A Batalha de Riddick]. Essa é uma das histórias de amor mais pontuais da Mitologia Grega, cuja versão romanceada prevê que o amor de Perseu pela princesa condenada a ser devorada pelo Kraken [uma lula gigante chamada Cetus, no mito] e também sua devoção pela mãe [no mito original] o motiva a desafiar a Medusa e a ira de Poseidon.

Compreender a relação dos gregos antigos com os deuses do Olímpo se faz fundamental nesse momento. Cientes da existência dos deuses, que, por vezes, caminhavam entre os mortais e tinham filhos [Hércules e Perseu são os mais conhecidos] com mulheres e ninfas, o povo tinha suas preces atendidas, depois de muita idolatria, claro. Por conta disso, a rebelião de Argos [hilariamente grafada como Athos em várias ocasiões no Los Angeles Times] contra suas deidades. Tudo isso exagero dos surtos egocêntricos de Cassiopéia, mãe de Andrômeda, que era tão orgulhosa da filha e a declarou mais bela que as filhas de Poseidon. Como com os deuses não se brinca, ele decidiu punir seu reino [habitualmente chamado de Ethiópia, mas sem relação com a nação africana; Joppa no filme original]. No roteiro do novo Fúria de Titãs, os humanos queimam os templos e destroem as estátuas dos deuses. Querem o início da Era dos Homens e, tal qual os numenorianos de Tolkien, deveriam encontrar apenas a ruína por seu desafio e descrença. Númenor não tinha semideuses, a Grécia Antiga sim.

Mas, enquanto o Perseu adolescente de Percy Jackson se transforma no sujeito mais convencido e imbuído de sua natureza dêitica quando descobre ser filho de Poseidon [no filme], o Perseu do novo Fúria de Titãs renega ainda mais sua paternidade. Ele tem um papel social a exercer nessa sociedade envolvida diretamente com os deuses, mas o personagem de Sam Worthington se comporta como um adolescente moderno ao tentar resolver tudo com as próprias mãos, ou seja, sem ajuda dos deuses. Não aceita os presentes enviados por Zeus (uma espada e o cavalo Pégasus, que, nessa versão, é um garanhão negro) e não perde a chance de dizer que vai resolver o problema “como um homem”, mas demora para perceber a inevitabilidade de seu destino. Ele não tem um botão que desligue suas habilidades. Não é à toa que é o único capaz de decepar a cabeça da Medusa.

A birra praticamente adolescente quebra o encanto da história e desmerece suas intenções. Ele não faz pelo povo, nem pela princesa – com quem não tem contato algum – mas sim para provar que pode. É a essência do ‘herói moderno’ revisitado à exaustão desde o Neo, de Matrix. Seus talentos contra o mundo, sua própria fé quebrando barreiras enquanto soldados e civis morrem aos montes ao seu redor. É o pior uso já registrado da Jornada do Herói. Perseu não cresce, se mantém monotemático e sempre no mesmo tom, ao longo da trama. Cumpre seu destino muito a contragosto. E se nem o personagem principal está contente com a história, como agradar ao público?

Li uma versão anterior do roteiro [a segunda], cuja figura de Perseu era uma figura mais militarizada e não o pescador do filme final. Daí entende-se a disparidade de idéias que pontuaram essa produção que, colocada na mão de um diretor de aluguel e sem a menor identidade, atirou para todos os lados. Há disparidade mitológica, dramática e visual, além da inconsistência provocada pelo 3D [que se comportava da pior maneira possível sempre que tinha uma oportunidade]. Perseu é semideus, Zeus e Hades são deuses e o Kraken é um monstro marinho controlado originalmente por Poseidon [no filme, Hades é seu mestre]. Não há nenhum Titã presente, assim como também não havia no filme clássico de 1981. As diferenças são tantas que fazem questionar ainda mais a escolha do termo “remake” para essa produção. Desnecessário e improdutivo, afinal, comparar é inevitável.




Enquanto a fantasia romântica de 81 apostava na história de amor, definia Perseu como o bom moço e Calibos como vilão [deformado, castigado pelos deuses, dedicado à ruína do herói], a nova versão não define suas barreiras. Por vezes são os deuses exigentes, noutras são os homens egocêntricos, mas mesmo os soldados que desafiam Zeus acreditam em sua força. Não é questão de fé, mas sim de medir forças. Tarefa inglória, mas popular nessa Argos com ares de Sodoma e Gomorra. Outra linha de raciocínio é uma jogada de mestre de Zeus para conter o ímpeto de Hades, eternamente insatisfeito com seu lugar no Mundo Inferior.

Não há Titãs, assim como na versão original. Entretanto, uma menção: o Kraken teria dizimado os Titãs em batalha. Nenhuma referência histórica ou mitológica, basicamente um elemento para aumentar o medo da criatura com a qual Perseu não chega a lutar, afinal, apenas a cabeça da Medusa pode derrotá-lo. Além da mulher serpente, o herói enfrenta escorpiões gigantes em batalhas sem emoção [saudade de Ray Harryhausen nessa hora, aliás] e confusas; e encontra até mesmo Gênios, em mais uma versão sombria e mística dessa figura mitológica [cujo rosto lembra, e muito, um mini-Optimus Prime].

Pouco se salva dessa cornucópia de referências e conceitos jogados a esmo. Liam Neeson se esforça como Zeus, mas só prova que é possível fazer um filme dos Cavaleiros do Zodíaco; os demais deuses do Olimpo são meros figurantes. No que deveria ser um dos melhores momentos – o embate entre Zeus e Hades, pairando no topo do mundo – o roteiro exige pouco de Neeson e Ralph Fiennes. A presença de grandes nomes foi herdada o filme de 1981, que tinha Laurence Olivier como Zeus e Maggie Smith como Thetis e Ursula Andress como Afrodite.

Fúria de Titãs tenta ser grandioso que deixa de ter essência. Falta carisma a Perseu, falta relevância no roteiro, falta um inimigo verdadeiro. Hades é imortal e o Slusho [monstro do Cloverfield], ou melhor Kraken, tem destino certo. É uma jornada injustificada. Um fracasso titânico. Um vexame em 3D.

Felizmente, também entra em cartaz The Secret of Kells, animação irlandesa indicada ao Oscar de Melhor Animação, que aborda mitologia e espiritualidade do jeito certo. Há salvação, mas longe de Hollywood.

Fúria de Titãs estréia hoje 21 de maio em todo o Brasil.

🎬 :★★
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Assista em 2D é bem "melhor".


Forte Abraço
Walther Jr.

Walther Jr ,42, trabalhou como Ator, Produtor ,Sonoplasta ,Roteirista e Diretor de teatro e cinema. Cursou cinema na E.L.C (Escola Livre de Cinema ) e teatro na escola de atores ESPAÇO CÊNICO em BH .O blog tem o objetivo de difundir a sétima arte levando informação, cultura e entretenimento. Salve o Cinema!!!

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