Foi lá no final dos anos 90 , quando eu ia as locadoras, que conheci o trabalho de Kenneth Branagh. O vi em "Othello(1995)" , depois em "Ricardo III - Um ensaio" e "Hamlet" ambos de 1996, tive curiosidade em ver sua estreia na direção anos antes em "Henrique V(1989)" e o acompanhei nos anos seguintes. Talvez o grande público não saiba mas, foi ele quem dirigiu "Thor(2011)" o primeiro filme do Deus do Trovão na Marvel cuja crítica detestou por causa do uso excessivo do plano holandês, que é um tipo de enquadramento no qual a câmera tem seu eixo alterado para que as linhas verticais e horizontais da imagem fiquem em ângulo em relação às bordas do quadro, ou traduzindo : a cena fica meio torta.
Críticas a parte, depois de ser conhecido por ser um ator e diretor shakespeariano e por ter dirigido um filme da Marvel, Branagh nos brinda em 2017 com a adaptação da maior obra da escritora Agatha Christie, "Assassinato no Expresso do Oriente" , com elenco estelar o filme se torna sucesso de público e de crítica e consolida o talento do ator britânico com a performance magnética e fascinante como detetive particular Hercule Poirot e seu famoso bigode. Sua adaptação de o "Assassinato no Expresso do Oriente" é muito fiel ao livro em inúmeros aspectos, figurinos , efeitos visuais, elenco excelente , final típico de um suspense policial dos anos 40 e aqui ganha uma bela fotografia para a telona. Não é atoa que com tanto sucesso, a volta de Poirot era mais do que certa.
Depois que a produção sofreu diversos atrasos por conta da pandemia de Covid-19 e dos escândalos envolvendo seus protagonistas, eis que chegamos em 2022 (o filme era para ter sido lançado em 2019) e temos a tão aguardada sequência do filme de 2017 , em "Morte no Nilo(2022)" . Após um prólogo da Primeira Guerra Mundial que oferece uma história de origem , o roteiro nos leva de volta a 1937 logo após os eventos do primeiro filme, onde Hercule Poirot (Branagh) se encontra de férias no Egito, apenas para encontrar seu amigo Bouc ( Tom Bateman , reprisando seu papel do filme anterior). Depois de se juntar a Bouc para celebrar o casamento da milionária Linnet Ridgeway e Simon Doyle ( Armie Hammer ), Poirot se vê no meio de muitos indivíduos que têm algo a dizer sobre essa celebração matrimonial. Poirot e todos os convidados mais importantes (incluindo Annette Bening, Russell Brand, Ali Fazal, Dawn French, Jennifer Saunders, Letitia Wright, Sophie Okonedo e Rose Leslie ) eventualmente chegam ao SS Karnak, um navio de passageiros, para ter uma recepção mais privada e prolongada da festa em questão. Quando um dos passageiros é assassinado a bordo, Poirot se vê trabalhando para encontrar o assassino antes que ele ataque novamente.
E é justamente após a cena de flashback, tanto a câmera quanto nossos olhos são sequestrados não apenas para um elegante Hercule Poirot como também para a beleza avassaladora e sedutora de Linnet Ridgeway (Gal Gadot em uma performance apaixonante) e esse é o recado mais importante de Branagh, o filme é sobre os dois. Se a motivação de o "Assassinato no Expresso do Oriente" era a vingança , aqui a motivação fica clara na cena da dança, o amor e a ganância moverão a trama até o fim. Há personagens lindos e expressivos por toda parte do salão, enquanto a câmera dança sobre o rosto de um atencioso observador com um bigode proeminente e um terno impecável. Talvez a maior crítica que tenho lido por aí é que ambas as tramas "Assassinato no Expresso do Oriente ( 2017)" e "Morte no Nilo(2022)" demoram muito para engrenar , o que discordo veementemente. Nos dois filmes o diretor usa o tempo para desenvolver os personagens e em suspense policial isso é mais do que necessário.
Tanto é verdade que sentimos a dor do primeiro assassinato já que tivemos tempo para nos importar com o destino daquele personagem. Mesmo que ainda a câmera fique presa em um único cenário, em comparação com a natureza claustrofóbica deliberada de um trem, aqui há mais espaço para contemplação da paisagem já que essa é graça e o prazer de ter o Egito como pano de fundo. Enquanto opera em um nível de filmagem semelhante (Branagh opta por 65mm novamente, Haris Zambarloukos permaneceu como Diretor de Fotografia e Patrick Doyle ainda cumpre parte da função), vendo o filme funcionar em cenários diurnos bem iluminados, bem como à noite, e até durante o amanhecer e o crepúsculo oferece um bom nível de variedade e o resultado são imagens belíssimas não só do ponto de vista técnico como do estético também.
O mesmo pode ser dito sobre a produção e figurino que saltam aos nossos olhos. Como um filme de época, há muitas opções de figurino elaboradas. Ser ambientado em um cruzeiro no rio Nilo apenas aumenta a natureza distinta das roupas que esses personagens vestem. Em vez de casacos pesados como no filme anterior, aqui há ternos de cores mais claras, vestidos, vestidos e muito mais para contrapor ao ambiente frio de "Assassinato no Expresso do Oriente ( 2017)". Toda essa elegância e atenção aos detalhes só podem ir até certo ponto dependendo do roteiro, mas algo que eu apreciei no roteiro de Michael Green é sua eficiência. Gostei de como "Morte no Nilo(2022)" apresenta quase o mesmo número de personagens quanto o filme anterior. Green faz um trabalho honesto e sem muitas pretensões e pega justamente as melhores sacadas do primeiro filme e as melhora.
Aliás, com um número um pouco menor de suspeitos, o filme depende muito de girar em círculos tentando fazer com que todos pareçam culpados, apesar de uma série de suposições educadas que provavelmente levam a conclusões adequadas. E para tudo isso funcionar é preciso um bom roteiro e tanto Green como Branagh sabiam disso, não é atoa que usaram boa parte do longa para apresentar os personagens e sei que estou sendo repetitivo mas parece que parte da crítica e do público não entendeu isso e confundiu apresentação de personagem com "aí que filme parado". Já imagino os livros que devem ler.
Sobre o elenco, além dos já citados Gadot e Branagh, Emma Mackey é um espetáculo a parte como a amante abandonada Jacqueline. É preciso muito talento para entrar em um papel que já foi de Mia Farrow, e Mackey o tem de sobra. Annette Benning e Sophie Okonedo também brilham como destaques em um elenco forte. Já Armie Hammer cumpre o que é exigido de seu personagem. Da mesma forma, Russel Brand faz o que é necessário dele e adiciona um nível mensurável de tristeza, refletindo ainda mais o papel do amor e do sacrifício neste filme. O mesmo posso dizer dos personagens de Tom Bateman e Letitia Wright cuja a química no filme é inegável. E realmente não vou entrar na polêmica de bastidores envolvendo os nomes de Gal, Letitia e Hammer , sei que isso pode ter tido impacto negativo na recepção do filme no mundo inteiro mas, aqui eu procurei pontuar o que achei do filme em si cujas as polêmicas não me interessam.
Enquanto a morte no título e no filme traz uma sensação inerente de tragédia, "Morte no Nilo(2022)" funciona como entretenimento sólido. Há um elenco forte o suficiente para competir com o elenco do filme anterior. Mais importante ainda, Branagh, mais uma vez exercendo várias funções como diretor, produtor e ator e as cumpre muitíssimo bem. Hercule Poirot de Kenneth Branagh sem dúvida alguma é uma das melhores adaptações do personagem criado por Agatha Christie. Olhe seu perfeito e grandioso (e simétrico!) bigode. Ouça seu sotaque belga definindo sua personalidade através do seu rápido raciocínio e sua maneira de enxergar o mundo. Está tudo nos detalhes... nos detalhes.
E quem venham mais filmes do detetive "bigodon"!
Morte no Nilo (Death on the Nile) — Reino Unido, EUA, 2022
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Michael Green (baseado na obra de Agatha Christie)
Elenco: Kenneth Branagh, Emma Mackey, Armie Hammer, Gal Gadot, Tom Bateman, Annette Bening, Rose Leslie, Ali Fazal, Jennifer Saunders, Dawn French, Russell Brand, Sid Sagar, Rhiannon Clements, Sarah Eve, Francis Lovehall, Stacy Abalogun, Susannah Fielding, Rick Warden, Letitia Wright, Sophie Okonedo
Duração: 127 min.
4/5 ⭐⭐⭐⭐